Sei Que Assim Foi

Alea jacta est


O ambiente era familiar a qualquer um que já viu o começo de uma manhã com nevoeiro, porém o terreno era estranho. Um pequeno declive, com algumas árvores que se indistinguiam na névoa, terminando em uma clareira na beira de um rio pedregoso. Uma fogueira de bom tamanho era velada por um grupo de homens. Engraçado pensar nisso, era notável e estranha a incapacidade de precisar em números precisos a quantidade de gente ali presente. As vezes pareciam dezenas, mais de duas dúzias, porém em outros momentos qualquer contagem juraria que não haviam mais que dois pares. Fui até eles. Minha chegada mereceu ao menos um momento na atenção de todos, como o reconhecimente de mais alguém que estranhamente deveria chegar, feito um lugar numa mesa de convidados finalmente ocupado após alguma espera. Também dediquei um momento de atenção aos mais próximos, que curiosamente eram a parte mais jovem do grupo, dois meninos, um adolescente e um jovem homem recém feito. Esses eram todos que pude precisar com certeza, talvez pela espessa cortina densa do nevoeiro misturada com a claridade do fogo. Talvez por isso. Enfim. O sol nascia e todos estavam em silêncio, conscientes de seus companheiros e mirando um olhar perdido para a fogueira.

A claridade se lançava com força no espaço, rendendo o posto da escuridão. Em algum tempo a luz quente do fogo que dominava a clareira pareceria sem sentido, apesar de servir como uma espécie de farol naquele nevoeiro que insistia em também marcar sua posição na reunião, um membro grave e solene para com o momento. Também havia o rio, deitando sua carreira numa batalha calma e tranquila contra as pedras. Pensei minha posição nisso tudo, pois sem dúvida minha presença era esperada naquele lugar. Longe do formal no entanto, só algo que deveria ser assim, pura e simplesmente. Não parecia haver nenhum destino possível naquele momento senão aquele exato local. Meus olhos focavam a fogueira e o plano geral ofuscadamente, mantendo um nível de atenção suficientemente bom para observar tudo que se passa e ao mesmo tempo se concentrar em algo diferente, algures longe dali visitado pelo pensamento. De súbito, um estalo e a urgência me tomou. Eu sabia o que tinha que fazer ali.

Olhei para a outra margem do rio, apesar de não ser possível divisar nada senão vultos e possibilidades remotas. Era pra lá que eu tinha que ir, inevitavelmente. Atravessar o fluxo de água e traçar um caminho no desconhecido por pressuposto, no terreno que se abria como nada senão suposições e incertezas. O tempo havia chego.

Alinhei minha vontade com a tarefa e pronto, estava indo. Mas opa!, faltava algo. Certo como a manhã que se torna meio dia, chamei a palavra na garganta, convocando a atenção de todos para mim.

- Eu realmente espero ser digno de todos vocês.

A frase saiu livre, simultânea à sua formulação no pensamento. Tive a certeza de que todos a assimilaram pelo gesto conjunto de aquiescência, cada um a seu jeito, até dos mais distantes. Era isso. Era isso que tinha que fazer ali, naquele momento, naquele lugar, daquele jeito. Ri satisfeito por ter conseguido fazer o que era preciso fazer - um homem tem que fazer o que ele tem que fazer - e parti resoluto para o próximo nível da jornada.